AROUND THE WORLD / VOLTA AO MUNDO (2020), é o trabalho de Lawrence Weiner que dá o título a esta exposição na Galeria Cristina Guerra, que reúne cinco obras que parecem estar ligadas por uma ação e uma ideia. A ação mais próxima que une estas obras é a navegação. A ideia a que me refiro é a linha que divide o globo terrestre em duas metades supostamente iguais e que tem no seu nome a noção de igualdade. O Equador é uma das referências principais quando pensamos em geografia, climatologia e demografia; é uma ideia porque não tem existência material, é uma linha imaginada à qual voltarei adiante com mais detalhe. Literal ou metafórico, todo o tipo de navegação requer pontos de referência através dos quais seja possível aferir as diferentes posições que o navegante vai ocupando durante a sua deslocação, para que possa saber onde está e para onde vai.

Navegar é uma metáfora da vida, e não apenas para aqueles que vivem na cercania do mar. Navegar é uma forma de movimento volitivo com um propósito, com una finalidade determinada mesmo quando ela é precisamente não ter rumo fixo. Por extensão, navegar é um verbo que se aplica também a deslocações feitas em terra firme e, primeiro pelas mãos da ficção científica e depois graças ao desenvolvimento tecnológico, habituamo-nos a usá-lo para descrever viagens siderais no espaço interplanetário.

AROUND THE WORLD / VOLTA AO MUNDO é acompanhada por quatro outras obras nesta exposição. Se é verdade que poderíamos considerar estas cinco obras como uma unidade, como uma equação na qual a ordem dos fatores não altera o produto, quero convidar o leitor a vê-las sem induzir ou pressupor nenhuma relação ou ordem específica. PLACED ABOVE THE EQUATOR / COLOCADO ACIMA DO EQUADOR, PLACED BELOW THE EQUATOR / COLOCADO ABAIXO DO EQUADOR, TO THE LEFT OF THE EQUATOR / À ESQUERDA DO EQUADOR, TO THE RIGHT OF THE EQUATOR / À DIREITA DO EQUADOR remetem-nos para uma divisão do planeta num duplo sistema binário que pressupõe, mas não depende do estabelecimento de pontos cardeais. Postulando um «acima de» e um «abaixo de», um «à direita de» e um «à esquerda de», a obra convida-nos a considerar una orientação alternativa a um mundo estático no qual o norte está sempre acima e o sul abaixo. Os pontos cardeais não foram criados com o objetivo de estabelecer uma hierarquia, mas acabaram por representá-la no discurso coloquial . Não são as estrelas que estabelecem a posição que cada um ocupa, isso cabe a quem usa a grelha e aos sedimentos da história. Evitaremos o debate sobre se o planeta Terra equivale extensiva e exclusivamente àquilo a que chamamos Mundo, ainda que por vezes misturemos os conceitos quando falamos.

AROUND THE WORLD / VOLTA AO MUNDO. Sabemos que o nosso planeta e os humanos que aqui vivem são apenas uma pequena fração, feita de equilíbrios frágeis e desacordos fáceis, de um universo infinito. Em qualquer caso, hoje estamos cientes de como o nosso comportamento como espécie afeta todos os membros e constituintes deste planeta-mundo, setenta por cento do qual está coberto por água, uma extensão que é na sua maioria navegável. Movemo-nos sobre a pele do globo olhando melancolicamente para as estrelas acima de nós e temendo o que se esconde nas profundezas sob os nossos pés. Acima e abaixo são expressões hierárquicas que, por exemplo, num contexto sexual, podem ser usadas com uma ampla gama de implicações. Cada um pode determinar o «seu» para cima, para baixo, direita, esquerda, dentro e fora… desde que seja o centro do seu próprio universo e não esteja à mercê da autoridade de outros.

Apresentada pela primeira vez em 1968, a declaração de intenções de Weiner situa o resultado final da obra e os seus significados nas decisões tomadas, a cada momento, pelo recetor-espectador-leitor. A ideia de que a obra é completada pelo recetor tem as suas origens na literatura: o texto é completado pelo leitor no momento da sua leitura. Por esta razão, as obras de Weiner nunca são normativas; não contêm imperativos, não dizem a ninguém o que fazer, mas antes transmitem a possibilidade de determinar o que é possível fazer com elas. As obras expostas hoje são baseadas em particípios ou orações sem verbo e o leitor-recetor-utilizador é livre para se posicionar em qualquer lugar «do mundo». Além disso, a obra não é indicativa do que está acima ou abaixo da linha imaginária que divide o globo. Em relação ao Equador, podemos posicionar nós próprios ou qualquer outra coisa. A obra convida-nos a tomar consciência da finitude do mundo, da nossa liberdade sem limites e do desejo de navegar.


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